Periodicamente acompanho as
noticias relativas à poluição sonora que são disponibilizadas na mídia. Elas
mostram situações de incômodo que se tornaram constantes e comuns em nossa sociedade.
Em minha cidade (Fortaleza),
desde o ano 2000 acompanho as queixas da população em relação ao incômodo e
que, em muitos casos, tiveram desfecho violento. São noticias dos jornais,
reclamações aos órgãos competentes e uma série de e-mails que recebo
periodicamente.
As queixas são variadas,
indo desde o patético paredão (pancadão), até o ruído provocado pelo trânsito e
tendem a mostrar o crescente comportamento agressivo de nossa sociedade, tanto
em relação ao nosso desenvolvimento “barulhento”, quanto em relação ao nosso
comportamento também excessivamente barulhento e pouco civilizado, onde até o
poder público periodicamente patrocina ou autoriza eventos que causam incômodo considerável
à comunidade próxima aos mesmos, chegando inclusive a alterar leis de forma a
beneficiar quem oculta sua pouca qualidade musical atrás de níveis de pressão
sonora elevados, sob a desculpa de que é “culturalmente” benéfico à cidade,
exemplo recente de Salvador e que quase aconteceu aqui em Fortaleza a alguns
anos atrás, mas que foi prontamente combatido pela mídia, sociedade e amigos do
bem estar público.
Mas além dos fatos citados, o
que mais preocupa atualmente são as mudanças em relação ao comportamento das
pessoas quando em eventos com características familiares, onde rever
familiares, amigos e um bom bate papo, são a base destes encontros, mas que atualmente
não é isso que ocorre e um dos artigos que li recentemente, mostra essa nova realidade:
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Durma com um barulho destes
O vizinho nos presenteia com o
que chama de música em alto volume, convencidos de que seu gosto é universal e
que lhes somos imensamente gratos pelo presente
por Menalton
Braff — publicado 26/12/2014 13:54 na Revista Carta
Capital
Não é a primeira vez que escrevo sobre barulho. Não um barulhinho
destes de comprovar que estamos vivos. Vivos e audientes. Com esses convivo com
tranquilidade, sou vizinho ordeiro e pacífico. Às vezes até cordial.
O caso que me toma o tempo hoje é o caso do barulho que a quase
totalidade da humanidade chama de música, pois tem ritmo, marcado por trovões,
melodia, vá lá que seja, e harmonia. Isto é, tem os três elementos fundamentais
de que se forma a música. Por isso a designação. O problema é que, além desses
três elementos, a música deles, dos meus vizinhos, tem volume. Não este
volumezinho de acalanto, que quase sempre serve de fundo para nossos passeios
imaginários pelos mundos próximos ou distantes. O volume com que nos
presenteiam, convencidos de que seu gosto é universal e que lhes somos
imensamente gratos pelo presente, faz tremerem as paredes, tilintarem as
garrafas nas prateleiras, faz vibrar nossa pele, entupindo nossos ouvidos, pois
nem conversar com nossos familiares podemos.
Ao me queixar a um amigo sobre o que venho sofrendo, ele, que é
mais plugado que eu nos costumes modernos, afirmou que o caso não é só à minha
volta. A cidade toda está barulhenta, o País inteiro vive de maneira
trepidante, como se morássemos todos dentro de uma tecelagem em pleno
funcionamento.
Bem, mas estamos falando é de música.
Dificilmente passa um carro aqui pela rua de casa, sem que a
própria, a casa, deixe de estremecer. Ouço com frequência o barulho das telhas,
que até minutos mais tarde continuam em serviço de acomodação.
Pois este assunto, que segundo psicólogos e filósofos com mais
autoridade do que eu para tratar do assunto afirmam é um dos sinais de que a
humanidade, e particularmente a ala jovem da humanidade, precisa do barulho
para não precisar conversar ou apenas pensar. Vai-se a uma festa, lá estão eles
movendo os braços, trançando as pernas, a boca fechada. Namora-se por gestos e
esgares. O rosto, tão pouco é o que se tem a dizer, com sua expressão já diz
tudo.
Nesta véspera de Natal, um vizinho recente, que se instalou aqui
perto de casa, do outro lado da rua, inventou de celebrar o nascimento de
Cristo. Sim, pois se não estou enganado, é isso que motiva encontros de
familiares e amigos. E no encontro do vizinho, umas vinte pessoas em poucos
metros quadrados, houve algumas coisas estranhas. A começar pelo volume de
trovoada dos aparelhos de som, sabe, esta história de decibéis muito acima do
humanamente aceitável. Coitados, pensei, precisam do barulho, caso contrário
teriam de conversar como amigos. Mas o pior foi só terem desligado sua
aparelhagem às cinco horas da manhã.
Outra coisa estranha foi o tipo de música que lhes entupia os
ouvidos: pagode, música de Carnaval e, por fim, este lirismo amoroso tardio (em
arte) a que chamam de música sertaneja.
Perplexo, descobri que Natal, Carnaval, hoje, é tudo a mesma
coisa.
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A frase final do texto tende a resumir uma tendência em
nossa sociedade, onde tudo parece ser Carnaval, tudo parece ser música, tudo
parece ser legal.
A
música é uma arte, as pessoas a apreciam de formas diferentes, uns ouvem a
letra, outros a melodia, muitos a barulheira. Todas estas formas estão
corretas, mas nenhuma delas pode se impor aos outros como a melhor. Talita Lorena (comentário referente ao texto)
Em nenhum momento o incômodo
ao próximo é percebido, raramente o poder público trata o problema como uma
infração legal e em raríssimas situações é percebido como um caso de saúde pública,
levando ao desenrolar de situações grotescas e violentas como a citada em um dos comentários no texto apresentado:
Na minha rua também
tinha o pancadão, mas graças a Deus apareceu dois motoqueiros por aqui e
começou a dar tiro no meio da multidão deixando 3 baleados, desse dia para cá
acabou. Josh Dilson
A dificuldade em se
estabelecer processos de educação social e normas protetoras do bem estar em
nossa sociedade, mostra a falta de interesse de nossas autoridades, que são
quase que inteiramente cobertas com um manto negro composto pelos interesses
financeiros e do poder eterno.
Em quase oito (8) anos
tentando mapear o ruído em Fortaleza, vislumbrei muitas vezes este manto negro,
pois raramente consegui mostrar a importância desta ferramenta estratégica às
autoridades, fato que só começou a ocorrer na gestão anterior da nossa Secretaria
de Meio Ambiente e foi inteiramente encampada pela gestão atual.
Mas diversas pessoas e grupos
interessados neste bem estar de nossa sociedade, tentam mudar este perfil e se
interpõe neste jogo de interesses e buscam o equilíbrio de nossa sociedade.
2 comentários:
Parabéns amigo!
Sem falar dos alarmes das casas. Os proprietários viajam nos feriados prolongados e deixam seus alarmes ativados sem ninguém que possa desativá-los caso disparem.
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