O PROBLEMA
Uma situação que vem se tornando comum em nossa cidade é o conflito entre os moradores de condomínios e o seu salão de festas. O conflito normalmente se origina devido os seguintes fatores:
1. Falta de educação dos usuários quanto ao uso do equipamento.
2. Falta de adequação acústica adequada em relação ao equipamento.
3. Localização mal planejada dentro do lay out do condomínio.
4. Falta de normatização para uso dentro das diretrizes do condomínio.
Em visita a alguns condomínios onde moradores me relataram uma insatisfação quanto ao uso destes equipamentos verifiquei que o problema se projeta principalmente em cima de três das situações citadas: mau uso do equipamento com níveis que em alguns casos superam os 100 dB(A), falta total de adequação acústica nas salas ou espaços e a incrível falta de percepção do projetista em relação a localização do equipamento.
Em um dos casos visitados, o salão de festa se localiza imediatamente abaixo de um apartamento e sua área anexa contorna boa parte do mesmo.
Passei a realizar diversas medições em vários condomínios onde conheço pessoas que enfrentam problemas com salão de festas [Aldeota (C1), Cidade dos Funcionários (C2), Ellery (C3) e Fátima (C4)]. Medições realizadas durante os eventos festivos e em um evento e com o sonômetro colocado em um dos quartos do apartamento (Bairro de Fátima), verifiquei os seguintes valores:
Em outro momento realizei medições sem evento e com o sonômetro também colocado em um dos quartos do apartamento, verifiquei os seguintes valores:
Obs. Somente uma proprietária autorizou a divulgação de fotos do local (Ellery), os demais não autorizaram a divulgação do endereço completo do local com receio em relação a alguns moradores que rotineiramente realizam festas.
O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO
Em Fortaleza, a legislação apresenta diversos dispositivos que podem ajudar no controle deste problema e que são esquecidos pelos órgãos que tem a obrigação legal de gerenciar essa situação. Muitas delas inclusive projetam a solução do problema mesmo antes da construção dos condomínios:
I – Lei 5530/81 (Código de Obras e Postura do Município)
Art. 148 - Serão consideradas as seguintes características técnicas dos elementos construtivos, conforme a qualidade e quantidade dos materiais ou conjunto de materiais, a integração dos seus componentes, bem como as condições de sua utilização:
III - Isolamento acústico - avaliado pela capacidade do elemento construtivo de atenuar ou reduzir transmissão de ruídos;
IV - Condicionamento acústico - avaliado pela capacidade do elemento construtivo de absorver os ruídos, com base no tempo de reverberação;
Art. 152 - As paredes externas, bem como todas as que separem unidades autônomas de nas edificações, ainda que não componham sua estrutura, deverão obrigatoriamente observar, no mínimo, as normas técnicas oficiais relativas à resistência ao fogo, isolamento térmico, isolamento e condicionamento acústico, resistência e impermeabilidade, correspondente a uma parede de alvenaria de tijolos comuns, revestida com argamassa, com espessura acabada de 0,15m.
Art. 156 - Os pavimentos que separam verticalmente os andares de uma edificação, ainda que não sejam estruturais, deverão obrigatoriamente observar os índices técnicos de resistência ao fogo, isolamento térmico, isolamento e condicionamento acústico, resistência e impermeabilidade correspondentes aos de um pavimento de laje de concreto armado, com espessura final de 0,10m, acabada na face superior com piso de tacos de madeira e revestida, na face inferior, com argamassa.
Art. 158 - As aberturas dos compartimentos, de acordo com sua destinação, serão providas de portas ou janelas que deverão obrigatoriamente satisfazer, no mínimo, as normas técnicas oficiais, no que diz respeito à resistência ao fogo, nos casos exigidos, e isolamento térmico, isolamento e condicionamento acústico, resistência e impermeabilidade correspondentes aos do caixilho de madeira, com espessura de 0,25m, suportando placas de vidro de espessura correspondente ao tamanho e submetidas à pressão do vento de 80kg/m², produzida à velocidade de 90km/h.
Art. 196 - As instalações e os equipamentos das edificações serão projetados, calculados e executados tendo em vista a segurança, a higiene e o conforto dos usuários, de acordo com as normas técnicas oficiais vigentes.
Art. 353 - As edificações para locais de reuniões são as que se destinam à prática de atos de natureza esportiva, recreativa, social, cultural ou religiosa e que, para tanto, comportem reunião de pessoas.
Art. 354 - Conforme as características e finalidades das atividades, os locais de reuniões de que trata o artigo anterior poderão ser:
1. Esportivas;
2. Recreativas e Sociais;
3. Culturais;
4. Religiosas.
Art. 355 - Os locais de reuniões, principalmente quando situados em andares superiores ou inferiores ao nível do solo, nos casos permitidos, deverão observar rigorosamente as normas de segurança estabelecidas no Capítulo XIII desta Lei, em especial as exigências de acesso, circulação e escoamento das pessoas, bem como as normas construtivas constantes do Capítulo XVIII, da presente Lei, em especial quanto à estrutura de concreto armado ou similar, resistência ao fogo e isolamento térmico e acústico.
Art. 625 - A emissão de sons e ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda, obedecerá, no interesse da saúde, da segurança e do sossego público, nos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Lei e nas normas oficiais vigentes.
Art. 626 - Consideram-se prejudiciais à saúde, à segurança e ao sossego público, para os fins do artigo anterior, os sons e ruídos que:
a) atinja no ambiente exterior do recinto em que têm origem, nível de som de mais de 10 (dez) decibéis - (dB) (A), acima do ruído de fundo existente no local, sem tráfego;
b) independentemente do ruído de fundo, atinjam no ambiente exterior do recinto em que tem origem, mais de 70 (setenta) decibéis durante o dia, e 60 (sessenta) decibéis - (dB) (A), durante a noite;
c) alcancem, no interior do recinto em que são produzidos, níveis de som superiores aos considerados aceitáveis pela Norma NB - 95, da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, ou das que lhe sucederem.
II-LEI 8097/97 - Dispõe sobre medidas de combate a poluição sonora
Art. 3o. - O nível máximo de som permitido a alto falantes, rádios, orquestras, instrumentos isolados, bandas, aparelhos ou utensílios sonoros de qualquer natureza usados em residências, estabelecimentos comerciais e de diversões públicas, festivais esportivos, comemorações e atividades congêneres passa a ser de setenta decibéis na escala de compensação A(70dBA) no período diurno de 6:00 às 22:00hs, medidos a 2,0m dos limites do imóvel onde se encontra a fonte emissora. No horário, noturno compreendido entre 22:00 e 6:00h, o nível máximo de som é de sessenta decibéis na escala de compensação A(60dBA), medidos a 2,0m dos limites do imóvel onde se encontrar a fonte emissora, sendo o nível máximo de 55dBA, medidos dentro do limite do imóvel onde dá o incômodo.
O QUE JÁ É FEITO
Em alguns condomínios (principalmente de alto luxo) cuidados foram tomados em relação a localização e ao condicionamento acústico, em outros alguns avisos são colocados tentando conscientizar os usuários deste tipo de equipamentos, mas sem as ferramentas e procedimentos reais de controle e outros procuram corrigir o problema contratando técnicos para avaliar o caso e proceder modificações.
O QUE FALTA FAZER
Com a crescente incidência do problema e com os complicadores sociais e de saúde inerentes ao caso, que normalmente já vem resultando em um uso crescente dos Juizados Especiais por moradores que buscam a tranqüilidade necessária durante o período de descanso, principalmente no final de semana, seria necessário que a SEMAM (caso específico de Fortaleza), passasse a observar os aspectos legais citados, durante a avaliação dos projetos que é feita pelo setor de análise de projetos e que passasse a exigir dos profissionais que projetam estas edificações, os cuidados necessários exigidos pela legislação para estas situações. A SEMAM já conta com um setor específico que analisa as condições acústicas de estabelecimentos comerciais que realizam ou irão realizar eventos com uso de equipamentos sonoros e que deveria também atuar nesta área residencial, avaliando os projetos que projetem o uso de salão de festas, auxiliando assim o setor de análise de projeto que não possui treinamento adequado para tal.
Quando trabalhei na coordenação da ECPS (Equipe de Controle da Poluição Sonora), estabeleci em conjunto com o então secretário Deodato Ramalho, as normas e procedimentos de avaliação dos estabelecimentos comerciais que existem hoje e a idéia era evoluir ano a ano para abranger todas as situações inerentes ao ruído, inclusive esta. Hoje na chefia da fiscalização da SER V, desenvolvo treinamento aos fiscais que vistoriam a liberação dos habite-se na área de nossa competência, para que a legislação seja cobrada em relação a esta e outras situações, mas sou largamente questionado pelos responsáveis pelas obras devido os projetos terem sido aprovados e este tipo de cobrança não ter sido feita durante a análise de projeto da SEMAM.
Além dos aspectos acima, outro cuidado seria importante no auxilio deste e de outros problemas relativos à poluição sonora principalmente na fase de projeto: a inclusão de uma forma mais ampla do tema no currículo das faculdades de Arquitetura, pois hoje é apenas pontual o aporte ao assunto.
3 comentários:
Mais um artigo interessante....Parabéns!
Parabéns. Ja tive este tipo de problema e tive que recorrer ao juizado especial.
Lendo esse artigo me veio a mente uma reflexão:
É preciso diálogo interdisciplinar entre arquitetos, engenheiros acústico, legisladores e interessados em geral. Pautar ecologia (incluindo a acústica) como saúde pública e bem coletivo, onde em uma ajuda mútua de conhecimento ajudaremos a harmoniar nossas convivências
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