quinta-feira, 11 de maio de 2017

RUÍDO DOS TRÂNSITO x CONFORTO ACÚSTICO

À medida que o processo de atualização da Carta Acústica de Fortaleza avança, torna-se possível perceber que os caminhos das ondas sonoras no meio urbano, principalmente as oriundas dos veículos, dependem muito da concepção da forma urbana, tanto da tipologia dos edifícios como em relação à própria morfologia urbana, onde a malha viária e suas especificações, com suas ampliações e alterações constantes, é a rede nervosa da cidade e o principal pivô deste estudo.
Assim, quando tentamos nos aprofundar nesta morfologia, tendemos a chegar a uma conclusão parcial em relação aos principais fatores que atuam na formação da maior fonte de ruídos de uma cidade:
  •  O porte grandioso e desordenado de nossas grandes cidades.
  • A elevada densidade da malha urbana.
  • O volume do tráfego em constante evolução.
  •            A  permanente  conceituação  político / administrativa  que  favorece   a   fluidez   dos  veículos particulares.
Quando avaliamos de uma forma mais detalhada uma modificação viária contundente em alguma região da cidade, podemos perceber o poder destes fatores envolvidos na produção e distribuição dos ruídos e seu impacto no bem estar da população.

Como exemplo, recentemente a Prefeitura Municipal de Fortaleza, realizou um intervenção impactante no bairro Cocó, em um cruzamento que se mostrava caótico em relação ao trânsito, pois interligava duas grandes avenidas da cidade e com várias opções de conversão, trata-se da junção da Av. Engenheiro Santana Junior com a Av. Antonio Sales. 

Antiga configuração do trecho - Fonte: Google Maps
Nova configuração do trecho - Fonte Google Maps
Esta intervenção possibilitou, com base nos mapas de ruído prévios e atuais da região, uma visualização do comportamento do ruído oriundo deste cruzamento e seu impacto nas edificações localizadas nas proximidades.

Mapa de ruídos - Sem viadutos - Altura de avaliação = 1,50 m

Mapa de ruídos -Com viadutos - Altura de avaliação = 1,50 m
Os mapas mostram os valores elevados resultantes do trânsito no trecho e a consequente invasão deste ruído nos espaços social e privativo das edificações localizadas nas proximidades. Uma invasão que é o resultado do excesso de ruídos destas fontes móveis, mas também de construções extremamente sensíveis ao ruído, que buscam com certo grau de prioridade, o uso de ventilação natural, muito comum em Fortaleza e ao lado deste fator, a adoção de materiais de vedação extremamente leve, junção que resulta em construções muito sensíveis ao ruído, projetadas em sua grande maioria por profissionais sem conhecimento adequado na área de conforto térmico e acústico, já que o ensino destes profissionais possui esta fragilidade, resultado do descaso nos currículos da maioria das escolas de nível superior.

Continuando a retratar os resultados, os cortes mostrados a seguir retratam as diferentes distribuições do som nas fachadas das edificações, nas situações sem os viadutos e após a construção destas estruturas de concreto, retratando a chegada das ondas sonoras nas fachadas.
Visualização do impacto na fachada - Sem os viadutos
Visualização do impacto na fachada - Com viadutos
A variação dos níveis de ruído decorrente da inserção dos viadutos é de fácil percepção, mostrando que os andares inferiores que eram fortemente atingidos pelo ruído dos veículos, foram atenuados e os valores incidentes na fachada dos demais pavimentos também cederam devido a diversos fatores inseridos nesta nova paisagem, formada basicamente com concreto e asfalto e que, no conjunto com a nova volumetria inserida no trecho e as novas características da fluidez do trânsito, passaram a contribuir para esta redução:
  • A retirada dos semáforos, que eliminou o uso da 1ª e 2º marchas por parte dos veículos.
  • As dimensões e inclinações de acesso aos veículos aos viadutos, que não possibilitam velocidades acima de 40 km/h.
  • As barreiras laterais dos viadutos.
  • A barreira consequente provocada pelos próprios viadutos em relação às edificações.
  • O asfalto renovado e de melhor qualidade.
  • A quase que total eliminação de buzinas no trecho, que chegam a produzir níveis próximos a 120 dB, mesmo que as mesmas não sejam consideradas na produção dos mapas de ruído, mas são facilmente mensuradas com medições através dos sonômetros.
  • Ausência de falhas na pavimentação, entre outras.

Fato é que, a nova configuração no trecho reduziu o impacto das ondas sonoras nas edificações residenciais objeto da avaliação em mais de 2 dB, conforme mostram os resultados da tabela:


Estes valores fazem parte de uma avaliação simplificada do comportamento do ruído provocado pelo trânsito no cruzamento avaliado, mostrando como uma intervenção realizada pelo Poder Público Municipal pode impactar na qualidade de vida dos moradores do entorno. No caso apresentado, houve melhoras em relação ao Nível de Pressão Sonora que chega à fachada das edificações localizadas na vizinhança imediata.

Percebe-se que, através de mais profissionalismo e zelo por parte do Poder Público no trato de seus projetos, melhorias substanciais no quesito ambiental e seus consequentes resultados para o bem estar da população podem ser alcançados, além de paralelamente, ser necessário maior cuidado com as soluções na escala do desenho urbano da cidade, fator que se mostraria muito eficiente se as intervenções forem diretamente relacionadas e avaliadas respeitando a ocupação do solo em função das fontes de ruído.

Paralelamente, as características acústicas dos espaços devem ser valorizadas, e para tanto, os arquitetos e engenheiros devem ter sensibilidade suficiente para perceber que as atitudes e decisões tomadas em seus projetos transformarão o ambiente urbano em um caos sonoro ou ajudarão a atenuar seus efeitos em benefício do bem estar da população e principalmente dos utilizadores dos ambientes projetados por eles.

Durante as vistorias para avaliação do trecho, algumas pessoas que buscavam informações sobre o trabalho que estava sendo realizado e descobriam que se tratava de uma avaliação do ruído que impactava as edificações, chegaram a se expressar que conforto acústico era um luxo desnecessário, será? Acho que conforto acústico é sinônimo de saúde.


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