domingo, 22 de fevereiro de 2015

SUA CIDADE É BOA PARA VIVER?

Platão e Sócrates costumavam discutir nos mercados atenienses as virtudes de uma boa cidade e quais os fatores que as faziam triunfar e quase sempre as qualidades inerentes ao fator humano se sobrepunham aos fatores relativos à infraestrutura. Esta participação humana mostra sua importância desde a própria criação das cidades e seguem pela história, mostrando-se como resposta à maioria dos anseios de todos nós.
Hoje, quando pensamos em qual seria a cidade ideal para viver, uma ampla lista de cidades passa em nossos pensamentos e esta questão é periodicamente respondida por diversas instituições, que estabelecem seus parâmetros de avaliações, entre eles:

OECD – Espaços verdes, acessibilidade, arquitetura, vida noturna, escolas e hospitais.

The Economist - Estabilidade, saúde, cultura, meio ambiente, educação e infraestrutura.

Revista Britânica Monocle: Saúde, educação, governo, áreas verdes, transporte, cultura, lazer, poluição.

A classificação mais recente originou-se da OECD (The Organisation for Economic Co-operation and Development), que divulgou recentemente uma lista de cidades que são consideradas as melhores para se viver e nos últimos dois anos, foi Camberra, capital politica da Austrália, escolhida como a melhor.
Camberra que é uma cidade totalmente planejada e construída para se contrapor à rivalidade entre Sidney e Melbourne e se apresenta muito forte dentro dos parâmetros da avaliação, mas que, segundo a Revista The Economist, dificilmente ela seria uma cidade que muitos sonhem em viver, pois é muito planejada, com boas intenções, mas muito artificial, sem alma e “sem barulho”. Para eles, a melhor cidade também é australiana, mas uma concorrente de Camberra. Trata-se da capital australiana da cultura: Melbourne. Já para a Revista Monocle, a melhor cidade é Copenhague na Dinamarca.
Todas grandes cidades com suas virtudes e com poucas deficiências, cada uma questionada por opositores, principalmente Camberra, que o Jornal The Guardian questionou: Tornar-se-ão as nossas cidades em mórbidas Camberras? Levando-nos a pensar o que faz de uma cidade perfeita para vivermos? Onde nos sentiremos bem?

No Brasil, a Delta Economics& Finance/América Economia, realizou uma pesquisa com a finalidade de buscar as melhores cidades do país para se viver e estabeleceu uma avaliação aonde a pontuação máxima chega a 100 e os parâmetros são os seguintes:
Parâmetros de avaliação no Brasil
Dentro desta avaliação, Fortaleza ficou situada em 46º lugar (43,73 pontos em 100 possíveis), com muitas notas baixas, especialmente em bem estar (2,73 - 5), em segurança (0,76 - 2), em governança  (16,75 - 27) e educação (4,99 - 10), entre outros.
Estes estudos buscam avaliar como estamos em relação à qualidade de vida em nossas cidades e como a busca pelo bem estar evolui, já que a expansão contínua costuma trazer sequelas perigosas para os grandes centros urbanos: violência, problemas de mobilidade, lixo, poluição atmosférica, poluição sonora, entre outros.
No âmbito deste texto, a Poluição Sonora entra como o principal vilão de degradação da qualidade de vida e segundo os estudos oriundos da Carta Acústica de Fortaleza, como nas cidades citadas, mostram um perfil onde o trânsito se coloca com 85% de responsabilidade dos ruídos produzidos na cidade, sendo assim a principal fonte de ruído.
Dentro deste espectro, recentemente, o Jornal  El País, mostrou que em Madrid, por exemplo, essa fonte (carros) contribui com 80% do total e que recentemente um grupo de pesquisadores espanhóis tentou quantificar estatisticamente, a dimensão do problema para a saúde, principalmente em pessoas com mais de 65 anos. Este estudo, publicado na revista Environmental Research, estima que o nível de ruído diurno associado a 1.048 mortes por doenças cardiovasculares e a 1.060 por doenças respiratórias. Em cima de sua base de dados eles calcularam que se houver a redução média de um decibel nos níveis de ruído durante o dia poderia reduzir o número de mortes em 468, sendo 284 mortes anuais de origem cardiovascular e 184 relacionadas com problemas respiratórios.
Como já relatado anteriormente neste BLOG, nos últimos anos, muitos estudos encontraram uma correlação entre a exposição ao ruído e problemas cardiovasculares, como a hipertensão ou infarto do miocárdio e paralelamente com problemas respiratórios. A tabela a seguir, foi apresentada pela OMS em Sidney 2010.
Tabela resumo do impacto na saúde - OMS - ICA 2010
Ainda sobre o estudo publicado na revista, os especialistas avaliam que por trás dessa conexão, entre outros fatores, pode estar o cortisol, um hormônio que é liberado em resposta ao estresse. O ruído aumenta o estresse e desencadeia a produção de cortisol, que por sua vez ativa o metabolismo do tecido adiposo para aumentar a oferta de energia, de forma que o corpo possa responder melhor ao estresse e assim, este efeito acabaria agravando problemas como a arteriosclerose.
Além dos idosos, os estudos também mediram variação nos níveis de cortisol na saliva de crianças que costumam dormir em ambientes ruidosos e silenciosos e verificaram que o nível do hormônio foi superior nas avaliações com ruído e a maior quantidade de cortisol foi associada a uma resposta pouco satisfatória do sistema imunológico e esta situação poderia estar por trás do agravamento de problemas respiratórios.
Assim, verificamos que a cada ano, estes estudos e pesquisas vêm confirmando o impacto do ruído na saúde e na queda da qualidade de vida nas cidades, principalmente nas maiores, já que passou a ser um componente quase que inerente ao desenvolvimento e que muitas pessoas se habituaram à sua presença constante e muitas vezes reclamam de sua falta, vide observação do The Economist, em sua crítica à escolha da “silenciosa” Camberra.
Para completar o já elevado grau de ruído em nossas cidades, em muitas cidades do Brasil, a falta de “educação” eficiente desde a fase inicial e o longo “desgoverno” da maioria destas cidades, facilitaram o surgimento de fatores complementares para elevação deste nível de ruído, como os paredões (pancadões), casas de show, restaurantes e igrejas sem o adequado tratamento acústico e em sua maioria, localizadas em desacordo com a legislação de uso e ocupação do solo.
É bem verdade que estas fontes não incidem diretamente nos mapas de ruído, pois não são continuadas e diárias, mas são objetos de estudos dos mesmos e colocados em confronto com o ruído ambiente explicitado nos mapas, mostram seu impacto na população e refletem diretamente na queda da qualidade de vida, como no exemplo a seguir onde um paredão no bairro Vila Velha em Fortaleza (estudo detalhado em postagem posterior) mostra toda seu “poder” de incômodo e de deterioração da qualidade de vida :

Mapa esquerdo: Noturno e sem paredão - Mapa direito: Noturno e com paredão
(Origem: Carta Acústica de Fortaleza)
Assim, percebemos que a busca pela cidade perfeita não é tão simples e nos leva a refinar nossas exigências e neste refinamento verificamos que algumas grandes cidades que não foram citadas, apresentam trabalhos voltados para o bem estar da população e que apresentam assim uma excelente assinatura ambiental.
Hoje temos inúmeras cidades que investem fortemente na redução de seus níveis de ruído, eis alguns exemplos:

  • ·     Oslo, na Noruega, apesar de ser grande produtora de petróleo, incentiva o uso de veículos elétricos (se 12% dos veículos forem elétricos, já se conseguiria reduzir meio decibel), apesar de que a intenção primordial na cidade é a poluição atmosférica.
Pontos de recarga de carros elétricos na Europa
Estacionamento para carros elétricos
  • ·        Amsterdam, na Holanda, incentiva o uso de bicicletas e transportes públicos.



  • ·  Almada, em Portugal, incentiva o uso de bicicletas, ônibus elétricos (flexbus), tipo de pavimentação e maior implementação de linhas de metro.

Flexbus em ruas estreitas de Almada (zero ruído de motor - zero de poluição atmosférica)
Informações

Metro de superfície na principal via da cidade, que foi reformada e o espaço para veículos reduzido
(Foto-arquivo pessoal).
      
Cuidado especial com o ruído e a vibração (borrachas especiais ao lado do trilho)
(Foto: arquivo pessoal)
  • ·    Madri, monitora o uso excessivo de veículos, incentiva mudança de pavimentação e uso de asfalto mais poroso, além de incentivo ao uso de pneus mais silenciosos (redução de até 9dB).
Em resumo, as necessidades para se tornar uma cidade bem qualificada para se viver são muitas, mas são essenciais para estabelecer qualidade de vida para seus habitantes, Fortaleza, segundo a pesquisa relacionada, oscila negativamente principalmente devido a continuarmos demasiados centrados no medo e  na possibilidade opressiva da cidade, mas ao olharmos com carinho,  tendemos a nos maravilhar com as suas possibilidades, pois apesar da cidade ser um espaço de interações instrumentais, da escravidão do tempo, do trabalhar pesado e de forma contínua, dos sonhos melancólicos, da superficialidade, da indiferença e da alienação, também é o oposto, pois vemos uma cidade com um espaço de libertação da mentalidade, dos espaços abundantes que proporcionam liberdade para cada um se definir, nas suas opções de gênero, politica e cultura, sempre preservando o direito dos outros, faltando somente uma governança correta e permanente e o abraço do cidadão à cidade.

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